Avante, meninas do Brasil: a história revela que já somos vencedoras
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Proibidas de jogar futebol pelos clubes, durante várias décadas, as brasileiras venceram preconceitos e hoje, unidas por propósitos de igualdade de gênero e valorização, revelam ao mundo a sua garra
Por Anália - Colunista
Contar a história do futebol feminino brasileiro é mais do que lembrar gols, vitórias, derrotas, lances marcantes e seus personagens. É falar sobre preconceito, desigualdade de gênero, resistência. E celebrar uma trajetória de alcance impressionante: em apenas um século de existência, o futebol entre mulheres passou de atração de circo a celeiro de talentos para o mundo.
A história do esporte no Brasil se assemelha à europeia. Até a década de 40, o futebol feminino era praticado longe de clubes ou grandes ligas, embora os registros das primeiras partidas tenham ocorrido em 1921 – como forma de entretenimento durante uma celebração de festa junina em São Paulo. Apesar de ainda não ser proibida, a modalidade era considerada violenta e ideal apenas para homens.
Uma rápida pesquisa iconográfica revela imagens e notas de jornais que apresentam a prática desta modalidade esportiva, ainda de forma muito tímida, no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Norte. Parece até inusitado, mas registros apontam que o circo traz algumas das primeiras referências do uso das palavras “futebol feminino” – então tratado como uma performance, um show, e não como partida esportiva.
Não são encontrados registros históricos sobre a existência de uma seleção feminina até os anos 1940, mas a partir desta década começou a se delinear um cenário de mudanças. Jogos que ocorreram em São Paulo, no estádio do Pacaembu, provocaram uma reação extremamente negativa da sociedade naquela época. A visibilidade da prática esportiva mobilizou a opinião pública e autoridades para assegurar a proibição legal daquele tipo de evento.
A primeira proibição ocorreu por meio de um processo de regulamentação do esporte no Brasil. Criou-se o CND (Conselho Nacional de Desportos), então sob a alçada do Ministério da Educação. Em 1941, debatia-se muito a profissionalização e o amadorismo nas práticas esportivas. Foi assim que a temática dos esportes femininos se tornou uma demanda do CND, instituída por decreto-lei (3199, art. 54). Vale ressaltar que o texto, de caráter preconceituoso, trazia de forma mais geral que as mulheres não deveriam praticar esportes que não fossem adequados à sua natureza.
No final da década de 70 foi revogado o decreto-lei que proibia, terminantemente, as mulheres de jogarem futebol. O fim da proibição, no entanto, não promoveu avanços significativos. O futebol feminino não recebeu estímulo de clubes e federações, e muito menos apoio da sociedade brasileira. Continuou sem regulamentação e seguiu enfrentando proibições, preconceito e todos os tipos de conflitos.
A modalidade só foi regulamentada em 1983. A partir desta data é que foram inauguradas competições oficiais, agendas esportivas, utilização de estádios, e o futebol feminino passou a ser ensinado e praticado também nas escolas.
Cinco anos depois, em 1988, a Fifa realizou, na China, um Mundial de caráter experimental, “Women’s Invitational Tournament”. A seleção feminina brasileira participou da competição, formada por atletas dos times Radar (Rio) e o Juventus (SP). As jogadoras viajaram sem uniforme para o Mundial, usando as sobras das roupas dos homens que jogavam na seleção do Brasil.
Importante ressaltar que este foi um torneio que serviu de pontapé para o desenvolvimento da modalidade feminina em todo o mundo. Doze seleções participaram do campeonato, e o Brasil ficou com bronze nos pênaltis.
A primeira medalha em Copas do Mundo veio em 1999. O futebol feminino brasileiro ganhou terceiro lugar nos jogos realizados nos Estados Unidos. Ainda tratada com muito amadorismo e desrespeito, a seleção se superou. O Brasil acabou perdendo a semifinal para os EUA, mas ganhou da Noruega nos pênaltis, na disputa pelo bronze.
No ano de 2007 houve um novo suspiro de esperança em relação ao futebol feminino no Brasil. Em setembro, na China, o Brasil ficou com a segunda colocação na Copa do Mundo feminina, perdendo para a Alemanha na decisão.
Em 2019, ano de Copa do Mundo, inicia-se uma nova realidade no futebol feminino. Os clubes começaram a cumprir a obrigatoriedade de manter times formados exclusivamente por mulheres. O futebol feminino ganha corpo.
Um novo capítulo desta história começa a ser contado agora, a partir de 2023, ano em que o futebol feminino revela a potência das mulheres brasileiras que, unidas por propósitos de igualdade de gênero, respeito e valorização, revelam ao mundo a sua garra.
Avante, meninas do Brasil! Vamos juntas em direção às nossas conquistas. A história revela que já somos vencedoras.
* Anália: Colunista independente/IstoÉ, escritora, psicóloga, pesquisadora, mestra e doutora pela Universidade de São Paulo (USP)...
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