Segunda-Feira 09/06/2025 03:31

A polícia do capitão

Brasil - Política - Intimidação Contra a Oposição


“GENOCIDA” Manifestantes protestam contra o presidente Bolsonaro em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, no dia 19 de março (Crédito:Eraldo Peres)

Com a perda de sustentação política, Bolsonaro usa a Polícia Federal e a Lei de Segurança Nacional para calar os críticos do seu governo. A estratégia é intimidar opositores e estimular as polícias dos estados a seguir a mesma conduta

Desde a redemocratização, nunca as instituições foram tão desafiadas quanto na era Bolsonaro. O presidente já tentou intimidar o STF incitando a sedição. Questionou a lisura das eleições, preparando-se para um futuro resultado desfavorável em 2022. Agora,à medida que sua popularidade despenca e perde sustentação política, radicaliza sua estratégia. Quer calar os críticos e a oposição recorrendo a um instrumento da ditadura, a Lei de Segurança Nacional (LSN).

Estabelecida em 1983, a Lei de Segurança Nacional (LSN) foi criada para proteger o regime militar que agonizava. Ela prevê crimes contra a “ordem política e social”, como caluniar ou difamar os presidentes do Poderes, imputando-lhes fato definido como “crime ou ofensivo à reputação”. Desde então, nenhum presidente a havia usado para criminalizar a crítica. Bolsonaro faz isso, e com método. Usa o governo federal e as polícias estaduais para atingir professores, jornalistas, adversários e críticos em geral. Para se ter uma ideia, o número de inquéritos com base nessa lei já cresceu 285% em relação às gestões Dilma e Temer. A Polícia Federal tem “caçado” os críticos de Bolsonaro pelo Brasil. Nesse mês, o sociólogo Tiago Costa Rodrigues, de Palmas (TO) , foi intimado a prestar depoimento por produzir um outdoor comparando Bolsonaro a um “pequi roído”, expressão típica da região do cerrado. Rodrigues conta que a ideia surgiu a partir de um grupo de WhatsApp. De lá saiu a decisão de criar uma vaquinha para custear dois painéis. A polícia começou a investigá-lo porque um empresário da região, bolsonarista, fez uma denúncia. “A PF queria saber se eu tinha intuito de ofender o presidente”.

Imprensa e políticos na mira

Rodrigues resolveu denunciar a ação ao notar o aumento de número de casos semelhantes ao seu. Em Brasília, um grupo de manifestantes foi preso por estender uma faixa de protesto na Praça dos Três Poderes, na quinta-feira, 18. Ela continha uma charge do presidente próximo a uma suástica e a mensagem: “Bolsonaro genocida”. Cinco foram detidos pela PM e encaminhados para a PF, onde prestaram depoimento. Um era o microempresário Guilherme Martins Peres, de 24 anos, que não é filiado a nenhum partido. “Eles tentaram encaixar isso na LSN, porque estão tentando abafar uma coisa que não tem como abafar. Bolsonaro é genocida, sim. Já está na boca do povo”, afirma. Para ele, “é nítida a vontade da PF de tentar estar sempre do lado do presidente”. Disse que o grupo já tinha usado o mesmo cartaz em outra manifestação e que só acrescentaram a frase “Bolsonaro Genocida” depois do caso do youtuber Felipe Neto. O influencer, famoso pelos vídeos para adolescentes, é outra vítima da polícia política bolsonarista. A pedido de Carlos Bolsonaro, foi alvo de investigação na Polícia Civil do Rio de Janeiro, com base na LSN, após fazer um post chamando o mandatário de “genocida”. Não foi a primeira investida. O mesmo delegado dessa ação já havia indiciado o youtuber por “corrupção de menores”.

O clã Bolsonaro está agindo coordenadamente. O deputado Eduardo Bolsonaro processou a blogueira Tininha Mattos por ela ter publicado no Instagram uma sequência de vídeos em que lamentava ironicamente ter perdido a oportunidade de encontrar o presidente e seus filhos, que cumpriam agenda no mesmo endereço dela no Rio. Em Uberlândia (MG), um jovem de 24 anos foi preso depois de ter feito uma publicação no Twitter em que citava a ida de Bolsonaro à cidade. Um dia antes, João Reginaldo da Silva Júnior escreveu nas redes: “Gente, Bolsonaro em Udia amanhã… Alguém fecha virar herói nacional?”. Isso foi interpretado como uma incitação ao crime. José Carlos Muniz, um dos advogados que representa Júnior, disse que outras sete pessoas foram citadas no inquérito por terem interagido com o post original. “São jovens. Pessoas simples. Estão sendo criminalizados como se estivessem propagando uma insurreição”, disse Muniz, que classifica a ação como intimidação. “Cria-se essa imagem de cerceamento para evitar críticas ao governo. As pessoas vão desistindo de postar, de se opor às políticas. E por medo”. A imprensa também entrou na mira da PF, que abriu um inquérito contra o chargista Renato Aroeira e o jornalista Ricardo Noblat pela produção e divulgação, respectivamente, de uma charge em que Bolsonaro é associado a uma suástica. Políticos também viraram alvo. O Ministério da Justiça pediu à PF para abrir inquérito contra Ciro Gomes (PDT), em função de uma entrevista de novembro passado, em que critica os filhos do presidente e se refere a ele como “ladrão”.

A incursão para calar o dissenso despertou a reação de advogados e de entidades da sociedade civil. O próprio youtuber Felipe Neto recebeu o apoio de um grupo de advogados (Cala Boca Já Morreu) , que disse ter reunido evidências de mais de 200 casos de pessoas intimadas, perseguidas ou processadas. A Defensoria Pública e vários advogados acionaram o STF para pedir o encerramento dos inquéritos e ações abertas com base na LSN, impetrando um habeas corpus coletivo. Um dos autores, o advogado Leonardo David Quintiliano, justifica: “Ao vermos que muitas pessoas, inclusive nós mesmos, poderíamos sofrer representações e responder a inquéritos policiais com base em uma aplicação nefasta da LSN e do Código Penal, decidimos nos prevenir”, disse. O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, afirmou que estudará uma forma de reagir à escalada do uso da LSN. Sete juristas entraram com uma ação no STF pedindo a alteração de dois dispositivos da LSN, seguindo uma outra peça protocolada pelo PSB, que é mais abrangente. Para eles, os artigos (22 e 26) representam uma “intervenção ilegítima no direito à liberdade de expressão”. Um dos autores é o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr. “Não é compatível que seja lesada a segurança do País porque se faz uma crítica ao presidente. Só mesmo atos de gravidade que coloquem em risco as instituições é que devem ser considerados”, afirma. Associações já pediram para entrar como parte interessada nesse processo (ADPF 799), que pode se tornar o caminho mais rápido para uma mudança na LSN.

LSN para uso político

O entendimento de que a LSN precisa ser atualizada é antiga, e agora, ganha urgência. Ela precisa ser adequada à Constituição de 1988. Há 23 propostas de alteração no Congresso. É praticamente consenso de que ela, ou uma norma que a substitua, é importante para a defesa do Estado de Direito. Basta lembrar que a própria LSN foi utilizada pelo STF em dois inquéritos fundamentais para limitar a ameaça golpista de grupos bolsonaristas, no ano passado: os inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos. “O presidente não entendeu a LSN e a levou para a pessoa física. Ela deve proteger o Estado, e não a pessoa. Está sendo usada de forma equivocada”, diz Márcio Coimbra, cientista político da Universidade Mackenzie.

O uso excessivo e indevido dessa lei durante o governo Bolsonaro “só ajuda a expor os seus traços autoritários”, diz a cientista política Ariane Roder, da Coppead/UFRJ. Desde a posse, o presidente tem seguidamente apoiado manifestações antidemocráticas. Continua agindo assim. No dia 21, visou os governadores. Sugeriu que são “tiranos tolhendo a liberdade “ e disse que “estão esticando a corda”. Dois dias antes, havia insinuado que poderia decretar um estado de sítio para impedi-los de adotar medidas de restrição contra a pandemia. Afirmou que “vai chegar o momento” em que o governo vai ter de tomar “uma ação dura”. Em Brasília, a declaração foi interpretada como uma a ameaça real. O ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, alertou o presidente do STF, Luiz Fux, que entendeu a gravidade da insinuação. Ligou para Bolsonaro e o questionou. O presidente negou, e disse que havia entrado com uma ação na Corte contra decretos dos governadores do Distrito Federal, Rio Grande do Sul e da Bahia. Bolsonaro tinha entrado com uma ação nesse mesmo dia para derrubar essas medidas emergenciais. Seu pedido, que agride o bom senso e prejudica a luta desesperada para salvar vidas, foi refutado pelo ministro Marco Aurélio Melo. Ele ressaltou que estados e municípios têm competência para adotar medidas de enfrentamento da pandemia e deu um recado duro ao presidente: “Em meio à democracia, é imprópria uma visão totalitária”.

Bolsonaro incumbiu o ministro da Justiça, André Mendonça, de ser o operador da intimidação. Sob sua batuta, a atuação da PF ganhou um perfil novo de repressão a manifestações, o que já incomoda a Associação de Delegados da PF (ADPF), pela visão de que ela está atuando politicamente. A estratégia é intimidar os críticos e estimular as polícias dos estados a seguir a mesma orientação. Não é apenas a PF que está atuando, como se viu em Uberlândia e no caso de Felipe Neto. Mas é ela que está centralizando, por seu papel estabelecido na LSN. Não é de hoje que o presidente dá sinais de que pretende criar uma polícia própria, focada principalmente em proteger a si mesmo, sua família e seus amigos. Na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020, já tinha exposto claramente que queria essa seria sua intenção. Ministros de Cortes Superiores avaliam que a atuação de Mendonça seria uma forma de ”mostrar serviço a Bolsonaro”, porque é o predileto do presidente para assumir a vaga no STF que se abrirá em julho. “Hoje é o nome mais forte pelo que escuto aqui no tribunal”, diz um ministro do STJ. Uma versão veiculada na pasta da Justiça dá conta de que são poucos os inquéritos e fazem alusão a algum tipo de “atentado físico” a Bolsonaro.

Essa explicação não se sustenta. Além disso, o próprio histórico do presidente a desmente. Bolsonaro, afinal, foi expulso do Exército em um episódio nebuloso em que ele mesmo teria tramado um atentado terrorista. Em 1999, defendeu o fechamento do Congresso e a morte de “uns 30 mil”. Já avalizou a tortura várias vezes. Pregou o “fuzilamento” do ex-presidente FHC. Sua PF e o “seu Exército”, como às vezes chama as Forças Armadas — como se fossem sua guarda pretoriana — não têm, para ele, o objetivo de defender a democracia, certamente.

A nova repressão não alarmou apenas os políticos. Desagradou os militares, que já estão desgastados com o episódio Pazuello, um militar da ativa que ameaça colocar o Exército na prática como vilão da crise sanitária. “É sem dúvida uma busca de tolher espaço às críticas. Não me parece adequada e até vai no sentido de prejudicar adversários do presidente claramente”, diz um alto general que já integrou o governo. Para Reale Jr., “Bolsonaro já falou em estado de defesa. Agora, falou em estado de sítio. Visivelmente, é alguém que quer o confronto e a redução das liberdades políticas”. O mandatário se inspira no AI-5, editado em 1968. Na época, militares consideravam que a oposição e a imprensa veiculavam “ofensas e provocações irresponsáveis e intoleráveis”. Era a época em que se exigiam atestados ideológicos, como já havia acontecido na era Getulio Vargas. Nos anos 1930, a comunicação era controlada, aí sim, por um tiranete, Lourival Fontes, o ministro da Propaganda, em quem o atual titular da Justiça parece se inspirar. O Brasil atual precisa superar esse ranço autoritário e garantir o amadurecimento institucional e democrático. Os EUA, que têm na liberdade de expressão uma das bases da sua democracia, são um exemplo. Lá, a livre circulação de ideias é considerada vital para a busca da verdade e para o escrutínio do governante. A censura e a perseguição não são toleradas e o homem público deve se submeter às críticas mais ácidas, ainda que de mau gosto ou injustas. Aqui, o próprio STF já indicou o caminho, na ação que proibiu a repressão a sátiras durante as eleições (ADI 4451). Que siga esse caminho para afastar a nova ameaça autocrática.

Istoé/KV

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