Sexta-Feira 06/06/2025 18:24

Desempregados e sem teto, venezuelanos ocupam prédios públicos abandonados em Boa Vista

Brasil - Geral - Imigrantes Venezuelanos

Dois prédios abandonados há pelo menos uma década foram ocupados nos últimos dias por cerca de 200 venezuelanos sem teto. Em um deles, imigrantes transformaram salas em 52 quartos ocupados por 162 pessoas, incluindo grávidas e bebês de colo.

Foto: Da Venezuela, José Ramirez, de 41 anos, só trouxe roupas, um livro e fotos das filhas; uma delas achou por acaso na bolsa: 'chorei quando vi' (Inaê Brandão/G1 RR)

Na parede do quarto 9B, o retrato de uma menina chama a atenção. É uma garota vestida de Papai Noel. Nos braços, segura um urso de pelúcia, mas não sorri. "Ela tinha cinco anos nessa época", conta o pai José Ramirez, de 41.

Há 20 dias no Brasil, ele é um dos 162 venezuelanos que, desempregados e sem ter para onde ir, decidiram ocupar um prédio abandonado do governo do estado no bairro São Francisco, área nobre de Boa Vista.

O edifício, vazio há pelo menos 10 anos, foi sede da antiga Secretaria de Gestão Estratégica e Administração (Segad), tem graves problemas estruturais e corre até o risco de desabar, segundo a Defesa Civil estadual. Mesmo assim, há uma semana, o cenário por lá mudou. As salas viraram 52 quartos, divididos nos blocos 'A' e 'B'.

O local não é o único ocupado. Um outro grupo de venezuelanos também começou a usar, há cerca de um mês, o Teatro Carlos Gomes, no Centro da cidade, para guardar objetos e se abrigar da chuva. Nesta quarta-feira (14), a Polícia Militar esteve lá para tirá-los, mas entrou em acordo. Foi definido que o prédio não pode servir como abrigo, mas apenas como depósito, pois é inseguro.

Na antiga Segad, as instalações são precárias. Lençóis velhos e manchados são usados como portas. Não há energia elétrica, e os corredores são escuros. As torneiras estão secas. A única fonte d’água – usada para matar a sede e para lavar roupas – são dois canos que vêm da rua.

Também não há fogões, panelas, cômodas ou geladeiras. Muitas paredes estão pichadas com palavras e desenhos obscenos, marcas deixadas por invasores que, por anos, entraram e saíram do prédio abandonado.

Sem a estrutura de uma única cozinha, a alimentação é, na maioria das vezes, garantida por doações de igrejas e de grupos da sociedade civil. Os banheiros também são improvisados, e é normal ver gente tomando banho no pátio interno, onde um cano esguicha água.

Na parede do 9B, o retrato da menina é um pedaço de casa. Foi pendurado por um frágil arame numa tentativa de aliviar a saudade. José Ramirez chora quase todas as noites ao se lembrar de casa, da família, da vida que tinha.

Na Venezuela, vivia em Cumaná, no sul do país. Casado há 17 anos, tinha casa, carro e um trabalho fixo. Costumava viajar com as filhas, a menor, hoje com nove anos, e a mais velha, de 19, diagnosticada com a síndrome de Asperger, um espectro do autismo.

Sozinho no Brasil, ele se preocupa a todo instante com a família. Quando ganha comida e vai se alimentar, pensa na mulher, nas filhas e na mãe. Estarão famintas?

“De repente, não sei se lá na Venezuela elas comeram ou não. Eu vim para cá para lutar por elas porque se não, não teria vindo. Vim lutar esperando em Deus para que tenha oportunidade no Brasil”, diz José Ramirez.

Dos 162 moradores registrados no prédio da antiga Segad até o dia 13 de março, 88 eram homens, 52 mulheres e 22 crianças. Também havia bebês recém-nascidos e mulheres grávidas.

O dado que impressiona, no entanto, é outro. Do contingente de moradores, apenas cinco conseguiram emprego. Os outros adultos, não. Por isso, muitos se põem a caminhar por horas a fio nas ruas de Boa Vista atrás de trabalho.

José Ramirez faz isso todos os dias. Não costuma dormir direito, porque não tem uma cama para se deitar. Passa a noite em papelões sob o chão. Mesmo assim, acorda cedo para procurar emprego. Às vezes, anda tanto que fica machucado.

Foi depois de tanto caminhar, dois dias depois de chegar a Boa Vista, que procurou na bolsa por um talco para aliviar a dor dos pés. Na busca, uma surpresa lhe fez irromper em lágrimas. Num dos bolsos da valise, encontrou a foto de Lucienny Ramirez, a caçula.

"Penso que ela colocou a foto na minha bolsa na noite anterior à minha viagem para cá, pois, no dia em que vim, apenas me despedi dela em seu quarto".

Na pouca bagagem que trouxe da Venezuela, além da foto, só tinham roupas, um pouco de comida e um livro de auto-ajuda que, em um dos capítulos ("Retrato de um perseverante"), conta a história de Abraham Lincoln, o presidente norte-americano que chegou ao poder após sucessivas derrotas eleitorais.

"A lição é muito simples: só se fracassa quando você parar de tentar", lê José Ramirez, explicando que o texto tem sido uma motivação nos dias de angústia e de longas caminhadas atrás de trabalho.

"Às vezes choro na rua. Tento não ficar só, não ficar parado aqui no quarto para não sofrer mais".

Documentos para conseguir um emprego não lhe faltam. Pediu refugio à Polícia Federal em Roraima e, com a solicitação em mãos, tirou CPF, carteira de trabalho e até cartão do SUS. A oportunidade, no entanto, ainda não bateu à sua porta.

Ele não está sozinho. De 2015 a 2017, mais de 21 mil imigrantes pediram refúgio à PF Roraima. No mesmo período, mais de 20 mil CPFs foram emitidos a cidadãos venezuelanos, segundo dados da Receita Federal.

No sede do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE-RR) em Boa Vista recordes foram registrados. Nos últimos três anos foram emitidas 4.100 carteiras de trabalho para venezuelanos. Em 2014, antes da crise se agravar na Venezuela, foram só 30.

A inserção no mercado formal de trabalho, no entanto, ainda é pequena. O Sistema Nacional de Emprego (Sine) da Secretaria de Trabalho e Bem Estar Social de Roraima (Setrabes), por exemplo, só conseguiu empregar, do fim de 2016 para cá, 12 venezuelanos. Antes disso, o órgão não monitorava o número de atendimentos feitos aos imigrantes.

Ocupações em prédios públicos

O reflexo do desemprego entre os imigrantes se vê por todos os lados na capital que já tem, 40 mil moradores venezuelanos, o equivalente a 12% da população local, de 330 mil habitantes, segundo estimativa da prefeitura.

Os três abrigos da cidade estão cheios. Juntos, eles têm um total de quase 2 mil moradores, o que não é nem de perto o suficiente para receber o crescente número de imigrantes recém-chegados. O governo estuda instalar mais um abrigo na capital.

A Polícia Federal diz que por dia 800 venezuelanos cruzam a fronteira com o Brasil. Alguns sem dinheiro para passagens viajam até mesmo a pé entre Pacaraima e Boa Vista. O percurso, de 215 km, é marcada pela fome, sede e cansaço.

Além de ficarem em praças - uma delas com cerca de 1,2 mil moradores - os venezuelanos se espalham pelas ruas e agora começam a viver em prédios públicos na capital Boa Vista.

William Mata, de 57 anos, foi um dos líderes da ocupação do antigo prédio da Segad. Ele e outros seis imigrantes ouviram falar do local abandonado e foram até lá.

Depois de conversar com um advogado brasileiro e um padre, resolveram por tornar o prédio uma moradia coletiva. A decisão foi tomada frente às chuvas que caíram nas últimas semanas e à ameaça de um inverno rigoroso.

Fizeram uma grande limpeza durante três dias. Removeram entulhos, juntaram o lixo e cortaram o mato que havia tomado conta da estrutura. Em 6 de março, muitos imigrantes que viviam principalmente na praça Capitão Clóvis, no Centro, se mudaram para o novo endereço.

Os quartos foram divididos entre famílias, separados em dois blocos e numerados. Os "proprietários" ganharam ainda uma espécie de título definitivo do novo lar. Os nomes dos ocupantes dos aposentos foram escritos na parede, logo na entrada dos quartos.

Logo após a mudança, regras muito claras foram criadas para facilitar a convivência. Foi proibido o consumo de drogas ou ácool. Quem tem antecendentes criminais também não é bem vindo no local.

"Pedimos que os novos moradores tragam a ficha de antecedentes criminais para garantir", explica Argenis Marcano, de 37 anos, um dos seis responsáveis pela moradia coletiva. "Não queremos pessoas más aqui".

Hoje, 10 dias depois de aberto, o abrigo improvisado já está ficando conhecido. Novos moradores chegam todos os dias. Yusmelly Andreina, de 37 anos, está em Boa Vista há cinco dias. Consigo trouxe a filha, uma bebê de dois meses. "Vim para cá por indicação de uma amiga que já estava no Brasil. Aqui há comida".

Teatro fantasma

No Centro da cidade, o Teatro Carlos Gomes, abandonado há quase 10 anos, segundo a Defesa Civil, também é palco de uma ocupação. Lá, uma média de 30 ou 40 venezuelanos guardam seus pertences e tomam banho há cerca de 30 dias.

Um dos ocupantes está doente. É Miguel Moreno, de 37 anos. Com hemorróidas e sem conseguir andar direito, ele precisa de um remédio que custa R$ 92, mas não tem nenhum centavo. "Como estou doente, não consigo ir atrás de trabalho. Tenho que ficar aqui e esperar para ficar bom".

Desde que chegou ao Brasil, há dois meses, conseguiu fazer bicos e ganhar pouco mais de R$ 1 mil. A maior parte do dinheiro, no entanto, não ficou aqui. Mandou R$ 900 para manter a mulher, os dois filhos e a mãe na Venezuela.

"Na Venezuela eu tenho uma barbearia, mas o que ganhava ficando lá não dava para viver. Você trabalha um mês para comer um dia. Se o governo Maduro sair, irei voltar. Se não, irei ficar aqui. Quero arranjar trabalho e trazer meus filhos para cá".

Ele diz que depois que decidiram ocupar o teatro também buscaram por outros prédios abandonados para viverem em Boa Vista. Um deles foi o da antiga Secretaria Estadual de Educação de Roraima, também no Centro da capital. Porém, segundo conta, foram impedidos de permanecer no espaço. "A polícia chegou e nos mandou ir embora".

A moradia no teatro, no entanto, também é incerta. Na tarde dessa quarta, dois policiais militares estiveram no local para cumprir uma ordem verbal de remoção.

Os PMs alegaram que o prédio está condenado e tem risco de desabar, mas não conseguiram retirar ninguém. Acordaram com os imigrantes que o local só pode ser usado para guardar objetos, e não como abrigo. A resposta dos venezuelanos foi em forma de agradecimento e de apertos de mão.

"Graças a Deus ficamos aqui. São muitas coisas e muita gente. Não temos mais para onde ir ", disse Marta Rivas, de 51 anos.

Ocupações arriscadas

As ocupações da antiga Segad e do Teatro Carlos Gomes são arriscadas, afirma o coronel Dorideson Ribeiro, chefe da Defesa Civil de Roraima. Ele diz que como os prédios estão fechados há pelo menos uma década, pode haver risco de desabamento principalmente no período das chuvas.

"Já tivemos relatórios da Secretaria de Infraestrutura e do Corpo de Bombeiros que apontam situações de risco nos prédios, até porque eles estão abandonados. Todo prédio sem manutenção tem risco de desabar.Não é seguro ficar lá, mas entendemos a vulnerabilidade dessas pessoas", afirmou.

Ele disse que não há previsão para retirada dos imigrantes que vivem na antiga sede da Secretaria de Administração, mas que é planejado fechar em breve a entrada do Teatro Carlos Gomes, onde as instalações são mais inseguras.

"A imigração venezuelana para Roraima é muito intensa. Quanto mais abrigos são feitos, mais são necessários. Estamos montando outro justamente para reunir todas essas pessoas que estão nas ruas, praças e prédios públicos", finalizou.

G1

Desempregados, venezuelanos, prédios públicos

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