Mariana versus Paris
Brasil - Opinião - Desastre Ecológico
Por Agnaldo Holanda*
Desta vez me convenci de uma vez por todas que já são as redes sociais que estão pautando a mídia, e não o contrário, como já foi um dia. Começou com aquele episódio tenebroso em Mariana (MG), em 5 de novembro, o rompimento da barragem do fundão. O noticiário foi tratando do assunto como se o vazamento de 62 milhões de metros cúbicos de lama e dejetos de uma empresa mineradora fossem mera fatalidade, assim como um tornado que destelha casas em uma cidade. Só que não. Aos poucos a verdade foi se espalhando pelas redes sociais, e a mídia teve de voltar atrás: viram que a tentativa de engambelação não dava certo; agora, ao menos, já estão falando (muito, mas muito superficialmente) em responsabilidade da empresa Vale (dona da Samarco) pela tragédia. Já é um começo.
Melhor seria se a televisão e o rádio e os grandes jornalões impressos viessem a público contar a verdadeira história dessa empresa, que acaba de encher de lama não só um ou dois vilarejos inteiros, mas a calha toda de um rio em sua extensão de mais de 800 km. História que começaria mais ou menos assim:
“Na década de 1990, um sociólogo brasileiro se tornou presidente do Brasil. Ele e seu partido, o PSDB, dizendo-se imbuídos do mais alto espírito patriótico, e também alegando acreditar num tal ‘estado mínimo’ neoliberal, trataram de vender várias empresas do Brasil, para empresas e fundos de investimentos estrangeiros. Mas não se sabe por que cargas d’água foram vender logo as mais lucrativas, dentre elas a mineradora então chamada ‘Vale do Rio Doce’. Essa empresa na época tinha valor de mercado estimado em 91 bilhões de dólares, mas FHC e Cia. acharam que 3 bilhões já pagava e sobrava troco; aliás, trataram de acionar o BNDS, para ‘ajudar’ o comprador a pagar. [O BNDS, para quem não sabe, é um banco mantido com dinheiro público brasileiro, de incentivo ao desenvolvimento.] Logo no primeiro ano após a venda, a Vale registrava faturamento de 5 bilhões por trimestre!
Fora o fato de uma empresa nacional ter sido entregue a preço de banana para estrangeiros, o resultado é esse descaso que vemos agora. Nem sirenes para acionar a população do entorno em caso de emergência havia, na barragem que se rompeu. Provavelmente muitos políticos da época da venda da Vale receberam milhões e milhões (ou seriam bilhões) em propinas e quejandos, mas até o momento não se provou nada. Bem sabe o leitor e a leitora que há dinheiro difícil de rastrear... É possível concentrar bilhões de dólares em algumas folhas, papéis de ações ao portador. Mas há a história de um apartamento de FHC em Paris, imóvel que ‘vale’ quase 50 milhões de reais – quantia incompatível com a renda de um professor universitário, que é o ex-presidente...”
Porém nenhuma grande mídia vai falar dessas coisas. Primeiro porque a Vale, ao longo desses anos todos, além dos bilhões em lucros distribuídos aos acionistas (em 2014 foram 5 bilhões, só em distribuição, fora a renda reinvestida), destinou uma boa quirera para as empresas de informação no Brasil – ou seja, a mídia não vai morder a mão que a alimenta. Segundo porque essas mesmas empresas de informação estão todas nas mãos da oligarquia brasileira, essa oligarquia que se congrega toda nos partidos de direita, onde há muita gente comprometida até o pescoço com a Vale e outras gigantes interligadas, em razão das doações de campanha. E terceiro porque não estão nem aí mesmo para o povo. Nem o próprio povo, porque foram escassas as manifestações de solidariedade ao povo de MG, no facebook, por exemplo.
("Eles têm as armas, nós, o champanhe”, diz a charge desta semana publicada pelo emblemático jornal francês ‘Charlie Hebdo’)
Agora, falando de Paris. Muçulmanos fanáticos explodiram a si próprios, desferiram rajadas de metralhadoras e mataram mais de uma centena em Paris, no dia 13, uma sexta-feira. Uma verdadeira barbaridade, e o mundo todo se condoeu com os franceses. Mas desta vez, decerto em função também da intensa cobertura da mídia tupiniquim – ficaram quase 24 horas tratando quase exclusivamente desse tema –, um percentual enorme de usuários das redes sociais se solidarizou aplicando as cores da bandeira da França em seus perfis.
Entenda, leitor e leitora, não quero comparar desgraças; não pretendo mensurar prejuízos, dores, horrores. E também não fui eu quem começou a criticar tamanha comoção com o atentado aos franceses, e tamanho descaso com a tragédia ocorrida aqui em nosso quintal. Só sei que esse debate foi o que deu a tônica de diversos compartilhamentos nas principais redes sociais desta semana. E a Grande Mídia... ah, esta teve também de se render. Embora quisesse dar o assunto por enterrado (isso mesmo, enterrado para não voltar à tona, assim como a lama enterrou casas, riachos, peixes e animais), precisou resgatar para o noticiário as terríveis consequências do descaso da Vale. Obviamente, quando der vão tentar culpar a Dilma, culpar São Pedro, culpar a Lua... Mas no fundo estão fazendo o mesmo movimento constatado nas redes sociais: a pessoa, ao refletir e se sentir culpada por solidarizar-se com os franceses e não com os mineiros e brasileiros, passou a curtir posts sobre o incidente – poemas desenterrados de Drummond e coisas assim –, ou misturou com a bandeira francesa uma camada de lama.
Está até cômico ver os âncoras de noticiários da TV se dividindo: falam um pouco do atentado em Paris, depois um pouco sobre as barragens da mineradora no Brasil. Fazem uma espécie de “mea culpa”. Muito podre esse comportamento, atrás de audiência e aceitação a todo custo, não é mesmo? Repetindo o trecho de uma conhecida canção: “É a lama, é a lama”.
* Formado em Letras Clássicas pela USP, escreve e lê por gosto e ofício: atua como redator e editor. Contato: agnaldoholanda@gmail.com.
Autor / Mshoje.com
Galeria de Imagens / Fotos / Turismo
Eventos
-
1º Encontro dos Amigos da Empaer
Cidade:Dourados
Data:29/07/2017
Local:Restaurante / Espaço Guarujá -
Caravana da Saúde em Dourados II
Cidade:Dourados
Data:16/04/2016
Local:Complexo Esportivo Jorge Antonio Salomão
Balcão de Oportunidades / Empregos(Utilidade Pública)
Cotações
Moeda | Taxa R$ |
---|---|
Dólar | 5,460 |
Euro | 5,991 |
Franco suíço | 6,361 |
Yuan | 0,778 |
Iene | 0,037 |
Peso arg. | 0,006 |
Atualizado