Copa é um desperdício de dinheiro, diz autor de Soccernomics
Mundo - Economia - Opinião de Simon Kuper
Foto: Reuters
Para Simon Kuper, a Copa do Mundo não é uma catástrofe e deve até aumentar a felicidade no país enquanto durar.
Do ponto de vista econômico e social, no entanto, ela é simplesmente um desperdício de recursos que poderiam (e deveriam) ir para outras finalidades.
O inglês de 45 anos é hoje um dos autores sobre futebol mais reconhecidos do mundo. Junto com o economista Stefan Szymanski, ele lançou em 2009 o livro "Soccernomics: por que a Inglaterra perde, por que a Alemanha e o Brasil ganham, e por que os EUA, Japão, Austrália, Turquia e até mesmo o Iraque podem se tornar reis do esporte mais popular do mundo”.
A obra é uma espécie de “Freakonomics” que usa conceitos da economia, dos negócios e da psicologia para revelar novas facetas do mundo do futebol.
O livro foi considerado um dos melhores do ano por várias publicações, se tornou um bestseller e a edição brasileira até ganhou conteúdo exclusivo.
Simon é colunista do Financial Times há mais de 10 anos. Ele esteve em Brasília em 2012 e em São Paulo no ano passado. De Paris, onde mora com a mulher e três filhos, ele concedeu a seguinte entrevista por telefone para EXAME.com:
EXAME.com – O governo brasileiro justificou a realização da Copa do Mundo no país com base no impacto econômico do evento. Qual é esse efeito, afinal?
Simon Kuper – Todos os economistas acadêmicos concordam que sediar uma Copa não ajuda sua economia. Você gasta muito dinheiro – no caso do Brasil, R$ 30 bilhões – e constrói coisas que você não precisa: os estádios e as estradas para chegar a eles.
Relativo ao total do governo, o gasto com a Copa não é enorme. Não é uma catástrofe, mas também não é um impulso econômico – o que o governo brasileiro disse sobre isso nos últimos anos não é verdade.
EXAME.com – Não existe uma grande diferença nos impactos de um país desenvolvido sediando o evento (como a Alemanha) e um país em desenvolvimento (como a África do Sul)?
Kuper – Ela aumenta a felicidade. Na Europa, temos pesquisas duas vezes por ano sobre felicidade nacional, e depois de sediar uma Copa ou o campeonato europeu o país fica mais feliz porque existe uma experiência comunal. Todo mundo no país fala daquilo, é algo que as pessoas dividem entre si e que as une – e isso vai acontecer no Brasil.
Mas a Alemanha e a Inglaterra são países ricos, então tudo bem gastar uns bilhões para aumentar a felicidade geral. No Brasil ou na África do Sul, a primeira e a melhor forma de fazer isso é levar água, eletricidade, moradia e comida para pessoas pobres. Se você não tem isso, e muitos no Brasil não têm, gastar dinheiro com estádios é uma desgraça.
EXAME.com – Você disse que a Copa não é nada mais do que uma série de transferências. O que você quer dizer com isso?
Kuper – O pagador de impostos brasileiro está dando dinheiro para clubes de futebol e empresas de construção. Por exemplo: a Copa do Mundo é boa para os clubes porque depois eles terão ótimos estádios, novos e seguros, que vão atrair mais pessoas. Há evidência de que depois das Copas e do campeonato europeu, há um aumento na frequência e lotação nas ligas de futebol, e tenho certeza que isso vai acontecer aí – o que é ótimo para os clubes e também para as empresas que construíram estes estádios.
Mas cada real de impostos só pode ser gasto uma vez e o Brasil está gastando em coisas inúteis. Você poderia pagar dois anos de Bolsa Família com o que foi gasto na Copa. Cada real que você gasta naquele estádio em Manaus não está sendo gasto em hospitais e escolas melhores em Manaus. É um sacrifício do seu futuro, porque a criança de 2 anos não vai ter uma chance melhor na vida por causa disso. Não é uma catástrofe, não é uma grande parte do orçamento do governo, mas é um desperdício de dinheiro.
EXAME.com – As Olimpíadas deixam legados melhores? O senso comum é que cidades como Barcelona se beneficiaram muito do evento.
Kuper – Difícil dizer. O que aconteceu em Barcelona foi diferente: não houve nenhum investimento na cidade durante os 40 anos de Franco. Depois que ele morreu [em 1975], a cidade recebeu muita energia e dinheiro, e foi limpa e aberta para o mar. Em 1992, o mundo todo pôde ver que ela tinha se tornado uma cidade maravilhosa, mas muitas daquelas coisas teriam acontecido sem o evento.
Olimpíadas ajudam? Bom, você certamente constrói menos coisas e desperdiça menos – Londres teve só um grande complexo, enquanto na Copa do Brasil você terá 12 estádios.
EXAME.com – O turismo sempre foi muito pouco aproveitado no Brasil. Se tudo correr bem, a Copa não é boa pelo menos para isso?
Kuper – Eu não acho. Ninguém nunca conseguiu provar que nos anos depois de uma Copa ou Olimpíada o turismo aumenta mais do que teria aumentado sem ela.
E é um risco: pode ser bom para a imagem, mas pode ser ruim. Digamos que alguns turistas sejam roubados ou enfrentem problemas de transporte: eles dirão que o Brasil é um lugar ruim para se visitar. Até agora, já houve muita publicidade negativa para o país relacionada à Copa. E além do mais, o Brasil já é bem conhecido: o Rio de Janeiro é a cidade mais visitada do Hemisfério Sul.
EXAME.com – Se não há grande impacto econômico, porque os países continuam indo atrás desse tipo de evento?
Kuper – Políticos gostam do prestígio. A Copa do Mundo é a maior festa do mundo, então conseguir sediá-la é inspirador, excitante; afinal, até seus oponentes ficam do seu lado e apóiam os projetos. Quando o Brasil ganhou a sede, Lula disse coisas como ‘finalmente o Brasil é levado a sério, finalmente somos uma nação de primeira grandeza’. Acho que ele sentiu intensamente que isso seria bom para o país. É a glória nacional, que é mais forte nos políticos do que nas pessoas comuns. Costumava ser sobre guerras e conquistas, agora é sobre a Copa.
EXAME.com – Você disse que essa poderá ser a primeira Copa pós-nacionalista. O que você quer dizer com isso?
Kuper – Muitas coisas. Uma é que o nacionalismo está decaindo como ideologia por causa da globalização, então essa ideia de que meu pais é bom e o outro é ruim é hoje menos forte.
A forma como as pessoas acompanham futebol também é cada vez mais internacional. As pessoas se identificam menos com seus times nacionais e mais com outros jogadores. Notei que há 10 anos atrás, ninguém no Brasil estava interessado em futebol internacional; agora, as pessoas estão em bares assistindo o Barcelona ou o Manchester United. Quando nós virmos o Messi jogando na Copa, não o veremos só como argentino, mas também como o jogador do Barcelona que todos conhecemos e amamos.
O que também aconteceu com o Brasil é que seus jogadores vão para a Europa muito cedo, não jogam o futebol brasileiro tradicional e se tornam ricos rapidamente. Dessa forma, eles ficam mais distantes dos brasileiros do que Zico, Falcão, aquela geração.
EXAME.com – Os protestos contra a Copa tem focado em coisas como as remoções de famílias para o desenvolvimento imobiliário. O fato da Fifa escolher países autoritários como Rússia e Catar para sedes é uma tentativa de fugir da transparência e do controle democrático?
Kuper – Não acho que essa seja a razão, até porque estas sedes foram escolhidas em 2010, antes dos protestos começarem no Brasil. A escolha do Catar tem mais a ver mesmo com os subornos pagos pelo país, mas certamente a Fifa não vai querer outro Brasil.
O que eles aprenderam é: não dê a Copa para uma democracia que precisa construir estádios, porque daí você ganha todos esses problemas.
Você pode ir para um lugar como o Catar ou pode ir para os Estados Unidos, que já tem os estádios, mas não haverá outra Copa em um país comparável – como a Turquia, por exemplo – depois do que aconteceu no Brasil.
EXAME.com – E quem vai ganhar a Copa do Mundo?
Kuper – Se eu tivesse um dólar no mundo, colocaria no Brasil. Vocês tem a melhor chance, mas a sorte é uma grande parte do resultado, então é impossível dizer.
João Pedro Caleiro/Exame/JE
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